No dia 21/09 rolou em São Paulo o ABC|X, evento promovido pela revista abcDesign, já mencionado aqui. Com dois grandes nomes como Ellen Lupton e Luigi Colani, eu não poderia deixar de ir (ainda bem que São Paulo é perto de casa!).
Eu sei que já faz um tempinho, mas deixei para escrever esse artigo mais tarde por dois motivos: o primeiro para realmente conseguir sentir o quão memorável foi o evento (a diferença entre 1 dia depois e mais de 1 mês depois); e o segundo porque o trabalho da abc Design em trazer esses profissionais simplesmente merece ser lembrado daqui até o próximo, para não ficar apenas no buzz da semana pós-evento – em uma palavra, reconhecimento.
Para mim o evento foi surreal. As palestras foram excelentes, bem humoradas e super interessantes. Ao sair de lá fiquei recriando o evento na cabeça, pensando que poderia ter durado algumas (ou muitas) horas a mais.
Achei o valor das palestras muito bom, mostrando que o interesse era de fato pelo design, não pelo próprio bolso. Se tem uma coisa que não suporto é evento elitista.
A única coisa que não gostei foi o intervalo entre as palestras. Não fosse a companhia da Kátia Keiko, as 3 horas chuvosas teriam parecido 30. Pra quem já estava morrendo de ansiedade há semanas pra conhecer o Colani, foi uma tortura!
Gostei muito dos extremos que foram abordados pelos palestrantes: a Ellen focou mais nas coisas simples ao nosso redor, mostrando um pouco do design thinking, como o “display” de travesseiros (desde a cama até o caixão, aquele tipo de coisa que você precisava estar lá pra ver mesmo) e sinalização, enquanto o Colani mostrou até o projeto de uma cidade inteira (Bio city). Do simples ao ambicioso, evitando a repetição de informações, o que elevou mais ainda o nível do evento.
Abaixo vou colocar uma breve entrevista com a Lupton e um apanhado da palestra do Colani. É claro que nada se compara à experiência de estar lá, mas pelo menos dá pra matar um pouquinho a curiosidade daqueles que não puderam ir. 
Ellen Lupton
“Design doesn’t always help save the world, but it can help you find the toilet…”
A Ellen Lupton é simplesmente uma graça. Ela é super simpática e não pude deixar de notar que ela não tem problema de ego, diferente de muitos designers gráficos (estrelinhas ou aspirantes a estrelinha) brasileiros.
“Be sure that your idea really is better.”
Entrevistei a Ellen após a palestra. Com a fila de pessoas para pedir autógrafo e outras querendo conversar com ela, não quis arrastar a conversa – e ainda assim ela não deixou de sorrir pra ninguém durante todo esse tempo.
Muitas pessoas querem saber como é o processo criativo de um profissional desse nível, mas a verdade é que existe uma linha que é praticamente universal: pesquisa – brainstorming – desenvolvimento. “Até existem profissionais que conseguem seguir outros métodos, pular etapas ou escolher outros pontos para iniciar o projeto, e quem sabe sejam eles os verdadeiros gênios, mas no meu trabalho é essa linha que funciona.”
Existe um problema, especialmente vindo de estudantes e designers recém-formados, que é a falta de interesse na escrita e até no próprio idioma, como se apenas o mundo visual fosse suficiente para a comunicação. Autora de diversos livros, eis o que a Ellen pensa a respeito dessa atitude: “Se você está em contato direto com o cliente, em uma posição de liderança, você tem que saber se expressar. Os grandes nomes do design conhecem o idioma; se você quiser seguir seus passos, terá que conhecer o seu também”.
Uma observação que gostaria de fazer aqui, se me permitem, é que me parece que muitos desses designers têm apenas o produto final em mente, ou seja, o produto visual, e se esquecem de todo o processo antes dele. Nossos clientes, em geral, ficaram presos ao mundo verbal, graças ao nosso sistema educacional pouco criativo, e também por isso nós (que passamos pelo mesmo sistema por muitos anos) devemos saber usar a linguagem deles, para só então introduzirmos a nossa.
Uma coisa que me incomoda muito em palestras é a falta de cuidado que alguns designers têm com os slides. O que tem de slide feio, mal acabado, simplesmente jogado e sem uma função definida não está escrito! Felizmente, a apresentação da Ellen não faz parte desse grupo e eu comentei isso com ela, até me pareceu que os slides seguiam sua personalidade.
“Tudo gira em torno do público e a experiência que você pretende criar. Eu gosto de ter um ritmo entre o sério e o humorado. Talvez os designers que não pensem sobre suas apresentações não levam o público em consideração.”
E fica aqui a dica para qualquer um que precise fazer uma apresentação: pense no seu público e na experiência. Isso vale desde apresentações no curso a propostas para clientes.
Muitos designers defendem o uso da Helvetica (ela é praticamente endeusada). Será que isso não acaba intimidando novos designers e pode deixar que seus trabalhos não recebam o devido reconhecimento?
“Isso não fecha as portas para os type designers, já que designers estão sempre tentando criar novas coisas e não se intimidam tão facilmente. Ter menos reconhecimento talvez seja uma coisa boa para aqueles que preferem trabalhar com ‘exclusividade’, ou mantendo um ar de underground, obscuro, esotérico…”
(Para os mais curiosos: ela não gosta da Helvetica, mas acredita que ela funciona para sinalização.)
Com a inserção de objetos eletrônicos cada vez mais cedo, será que os futuros designers não serão prejudicados com a falta da escrita manual? Será que outros sistemas tipográficos acabarão surgindo?
“Isso talvez afete a forma como os designers aprendem tipografia/caligrafia, não praticando tanto quando eram mais jovens na escola. Mas eu não sei o quanto isso influenciará o futuro.”
Eu também não sei 
, talvez ninguém saiba ainda, mas é algo a se pensar, né? Chocólatras, sintam-se à vontade para dar seus pitacos.
Por falar em futuro, haverá um livro da Ellen sobre tipografia digital, resultado de um trabalho com seus alunos da graduação. O título até o momento é Type on Screen. Arrumem um espaço na biblioteca, hein?
Luigi Colani
Luigi Colani é uma figuraça. A única outra vez em que ri tanto em uma palestra foi com o grande Ariano Suassuna.
“Mamma mia!”
Quem disse que se deve usar poucos slides? Foram uma pancada de slides de projetos, entre antigos e novos, um atrás do outro. E vou dizer: isso não estragou em nada a palestra. Entre um slide e outro, vinham os comentários sobre projetos específicos, ideias, a revolta contra a estupidez dos CEOs que não aceitam a genialidade e preferem nos encher de carros horrorosos e sem graça (o Colani é fanático por carros, dirigindo suas próprias criações por aí), as escolhas erradas no desenho dos objetos, algumas informações pessoais (ele passa boa parte do tempo mergulhando, já que suas inspirações costumam ficar no fundo do mar) e por aí vai.
Em meio a tantas informações e tantas ideias, não é difícil entender porque o professor Colani pode ser visto como uma versão contemporânea do Leonardo da Vinci em sua busca por conhecimento e ideias de máquinas incríveis.
Todos os projetos são executados apenas por ele. “São muitas ideias em uma só cabeça para que eu peça para alguém me ajudar.” Não apenas no que diz respeito ao design (ele mesmo não se diz um designer, vai além), mas também a tecnologia necessária para fazer as coisas funcionarem (o mais novo protótipo de caminhão consome 40% a menos de combustível, por exemplo). Apenas quando o projeto ganha proporções muito grandes é que ele passa para uma empresa finalizá-lo, mas até então, modelos em tamanho real e tudo mais vêm de suas mãos.
“I’ll do it for free, just for the fun of giving you a great idea.”
Em relação a clientes, o professor tem uma pegada bem diferente: se o cliente não for capaz de compreender a genialidade da sua ideia, livre-se dele! Diga não! “Se você pegar o dinheiro, você estará aceitando fazer coisas estúpidas; enquanto você tiver dinheiro para comer, você pode dizer não”. Diz ele que no começo ele tinha o suficiente apenas para uma sopinha, dia sim, dia não, mas hoje ele é rico e não precisa mais se preocupar com isso. 
Uma das minhas anotações da palestra diz apenas loucura, mas isso é no bom sentido…
Ele disse ter notado muito cedo que todas as perguntas tecnológicas já haviam sido respondidas há milhões e milhões de anos, através da Natureza, ou seja, através de Deus (para aqueles que preferem não entrar no mérito religioso, continuem entendendo apenas como Natureza, apenas reproduzi aqui pois foi mencionado algumas vezes durante a palestra). 90% de tudo o que ele faz já vem de Deus, sendo os outros 10% a tradução através dos projetos.
É engraçado como o professor Colani se autodenomina gênio, tradutor das ideias da Natureza/Deus, e ainda assim ele não dá a impressão de arrogância. O jeito que ele fala está mais para o humor do que para uma egotrip.
Infelizmente não consegui entrevistá-lo. Ele é simpático, é engraçado, mas também é super temperamental. Se as coisas não estão exatamente como ele espera ou se ele já está um pouco cansado, ele simplesmente vai embora e, como não havia uma salinha por perto para conversarmos (só subindo 2 andares pelas escadas), foi exatamente isso o que ele fez. Nem tentei argumentar, já aprendi com meu pai (depois de brigas perdidas, claro) que existem certas forças que podem simplesmente nos destruir se entrarmos no caminho!
Então é isso, chocólatras. Evento mais do que recomendado! Já estou curiosa pra saber quem serão os convidados da próxima edição.
Confira o artigo original publicado pelo Choco La Design:
Como foi o ABC|X – Conexões Criativas
